“A casa é de facto, o lugar mais perigoso da sociedade moderna. Em termos estatísticos, seja qual for o sexo ou a idade, uma pessoa estará mais sujeita à violência em casa do que numa rua à noite” (Giddens, 2004: 196).
O estudo da violência conjugal pode ser experimentado sob diversas perspectivas que privilegiam dimensões de análise distintas do mesmo fenómeno. Este pode ser estudado do ponto de vista do poder, da desigualdade de recursos, da inexistência ou insuficiência de controlo social, do género, etc. De seguida analisaremos algumas das teorias que dão sustentabilidade à análise sociológica no fenómeno da violência doméstica.
Desta forma, se vislumbrarmos a família segundo a teoria dos recursos (Blood e Wolfe, 1960), como um sistema de poder, verificamos que o homem faz uso do poder que possui, e que lhe é auferido pela sociedade, para manter a ordem social de estratificação sexual.
Este poder, que leva ao domínio do homem sobre a mulher, assenta em estruturas sociais que envolvem a família, como os tribunais e a polícia; doutra forma, poder-se-á dizer que o uso da força sobre a mulher é legitimado pelas instituições de autoridade. Como afirma Ana Vicente, “outro forte contributo para a violência endémica será a indiferença e tolerância por parte das autoridades, políticas, religiosas, cívicas, empresariais, militares, profissionais, as quais, ao nível da decisão, são construídas predominantemente por pessoas do sexo masculino” (Vicente, 2002: 187).
Goode visualiza a família como um sistema de poder afirmando que o homem faz uso da “força”, do poder que possui, para manter a estabilidade na família. Este ponto é contraposto por Dobash e Dobash argumentando que esta estabilidade familiar é enganadora no sentido em que torna a família num sistema desigual e o casal assimétrico, em termos de poder, sempre em prejuízo para a mulher (Dias, 2004: 163).
Este poder detido é afectado por determinados recursos como o nível de escolaridade, o estatuto sócio-profissional, o rendimento, etc. Uma vez que estes recursos pertencem em grande medida aos homens, estes usam essa supremacia para submeter as mulheres à sua influência. No entanto, tem-se vindo a verificar um certo nivelamento de recursos entre homens e mulheres. Esta tendência para a simetria dentro do casal pode levar a um sentimento de frustração por parte do homem que se sente a perder poder. Portanto, em casos extremos, a violência pode ser utilizada quando outros recursos falham, no sentido de manter ou aumentar o poder que exerce.
Outra forma de abordar os conceitos de poder e de recursos é através da tese da “inconsistência de status” (Weber) que, quando aplicada à violência conjugal, pretende analisar o desequilíbrio ao nível do status entre os cônjuges. Esta desigualdade deriva do facto de um elemento da família ter acesso a mais recursos que o outro. Acrescenta ainda que o facto de actualmente a mulher ascender a domínios que anteriormente pertenciam ao homem pode levar a um desfasamento entre o status que tradicionalmente é atribuído ao homem e aquele que realmente é praticado. Esta inconsistência poderá levar a conflitos pois o homem vê a sua posição de dominação cada vez mais ameaçada (Dias, 2004: 164). Esta perspectiva encontrou alguma sustentação empírica com os estudos de O’ Brien em 1971, e de Gelles em 1976 que mostraram que famílias mais igualitárias, ou seja, onde a inconsistência de status é pouco elevada, as ocorrências de violência são menores (ibidem: 164).
No entanto, é preciso sublinhar que esta tendência para algum nivelamento de poder entre homem e mulher é continuamente acompanhada pela persistência da distribuição desigual de poder entre o casal, mantendo, em geral, a mulher numa posição subalterna e de dependência. Desta forma, mesmo as mulheres com recursos continuam a ter uma posição inferior relativamente ao homem, nomeadamente na divisão sexual do trabalho, na divisão das tarefas domésticas e no cuidado com os filhos. Estas tarefas tendencialmente exclusivas às mulheres estão a sobrecarregá-las uma vez que, apesar de já estar garantida a presença feminina no mercado de trabalho, estas não deixam de realizar as lides domésticas, originando o que se chama de dupla jornada. Apesar da mulher ter ganho, no espaço público, determinadas posições que eram ocupadas maioritariamente por homens, no espaço privado da família, o homem continua a abster-se da realização das tarefas domésticas.
Assim, o homem pode, nestas circunstâncias, ser perspectivado como um agente bloqueador da mudança no interior da família, que através da violência pretende manter o seu poder perpetuando a desigualdade entre homens e mulheres.
VICENTE, Ana (2002), Os Poderes das Mulheres, Os Poderes dos Homens, Lisboa, Editora Gótica.
DIAS, Isabel (2004) Violência na Família. Uma Abordagem Sociológica, Porto, Edições Afrontamento.
(Continuação, em breve, noutro post)
O estudo da violência conjugal pode ser experimentado sob diversas perspectivas que privilegiam dimensões de análise distintas do mesmo fenómeno. Este pode ser estudado do ponto de vista do poder, da desigualdade de recursos, da inexistência ou insuficiência de controlo social, do género, etc. De seguida analisaremos algumas das teorias que dão sustentabilidade à análise sociológica no fenómeno da violência doméstica.
Desta forma, se vislumbrarmos a família segundo a teoria dos recursos (Blood e Wolfe, 1960), como um sistema de poder, verificamos que o homem faz uso do poder que possui, e que lhe é auferido pela sociedade, para manter a ordem social de estratificação sexual.
Este poder, que leva ao domínio do homem sobre a mulher, assenta em estruturas sociais que envolvem a família, como os tribunais e a polícia; doutra forma, poder-se-á dizer que o uso da força sobre a mulher é legitimado pelas instituições de autoridade. Como afirma Ana Vicente, “outro forte contributo para a violência endémica será a indiferença e tolerância por parte das autoridades, políticas, religiosas, cívicas, empresariais, militares, profissionais, as quais, ao nível da decisão, são construídas predominantemente por pessoas do sexo masculino” (Vicente, 2002: 187).
Goode visualiza a família como um sistema de poder afirmando que o homem faz uso da “força”, do poder que possui, para manter a estabilidade na família. Este ponto é contraposto por Dobash e Dobash argumentando que esta estabilidade familiar é enganadora no sentido em que torna a família num sistema desigual e o casal assimétrico, em termos de poder, sempre em prejuízo para a mulher (Dias, 2004: 163).
Este poder detido é afectado por determinados recursos como o nível de escolaridade, o estatuto sócio-profissional, o rendimento, etc. Uma vez que estes recursos pertencem em grande medida aos homens, estes usam essa supremacia para submeter as mulheres à sua influência. No entanto, tem-se vindo a verificar um certo nivelamento de recursos entre homens e mulheres. Esta tendência para a simetria dentro do casal pode levar a um sentimento de frustração por parte do homem que se sente a perder poder. Portanto, em casos extremos, a violência pode ser utilizada quando outros recursos falham, no sentido de manter ou aumentar o poder que exerce.
Outra forma de abordar os conceitos de poder e de recursos é através da tese da “inconsistência de status” (Weber) que, quando aplicada à violência conjugal, pretende analisar o desequilíbrio ao nível do status entre os cônjuges. Esta desigualdade deriva do facto de um elemento da família ter acesso a mais recursos que o outro. Acrescenta ainda que o facto de actualmente a mulher ascender a domínios que anteriormente pertenciam ao homem pode levar a um desfasamento entre o status que tradicionalmente é atribuído ao homem e aquele que realmente é praticado. Esta inconsistência poderá levar a conflitos pois o homem vê a sua posição de dominação cada vez mais ameaçada (Dias, 2004: 164). Esta perspectiva encontrou alguma sustentação empírica com os estudos de O’ Brien em 1971, e de Gelles em 1976 que mostraram que famílias mais igualitárias, ou seja, onde a inconsistência de status é pouco elevada, as ocorrências de violência são menores (ibidem: 164).
No entanto, é preciso sublinhar que esta tendência para algum nivelamento de poder entre homem e mulher é continuamente acompanhada pela persistência da distribuição desigual de poder entre o casal, mantendo, em geral, a mulher numa posição subalterna e de dependência. Desta forma, mesmo as mulheres com recursos continuam a ter uma posição inferior relativamente ao homem, nomeadamente na divisão sexual do trabalho, na divisão das tarefas domésticas e no cuidado com os filhos. Estas tarefas tendencialmente exclusivas às mulheres estão a sobrecarregá-las uma vez que, apesar de já estar garantida a presença feminina no mercado de trabalho, estas não deixam de realizar as lides domésticas, originando o que se chama de dupla jornada. Apesar da mulher ter ganho, no espaço público, determinadas posições que eram ocupadas maioritariamente por homens, no espaço privado da família, o homem continua a abster-se da realização das tarefas domésticas.
Assim, o homem pode, nestas circunstâncias, ser perspectivado como um agente bloqueador da mudança no interior da família, que através da violência pretende manter o seu poder perpetuando a desigualdade entre homens e mulheres.
VICENTE, Ana (2002), Os Poderes das Mulheres, Os Poderes dos Homens, Lisboa, Editora Gótica.
DIAS, Isabel (2004) Violência na Família. Uma Abordagem Sociológica, Porto, Edições Afrontamento.
(Continuação, em breve, noutro post)
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